30 de maio de 2010

Minha Conduta

Minha prática é saudável,
Só uso copos bem limpos
Vidro temperado, resistente à quedas, sem mancha alguma;
Os bares que freqüento não são insalubres
Seus certificados sanitários estão nas paredes
À vista, para qualquer um,
O liquido que costumo ingerir
É antigo e europeu
Às vezes causa-me náuseas,
Todas as vezes provoca-me alívio;
A mulher que me acompanha
É bela aos meus olhos
Muitos a acham estranha,
Mas na cama ela é a melhor!
Sim, no lugar que me interessa...
E o amor?
Deixei em casa.

28 de maio de 2010

Eis-me

Hoje sou a espera

O aguardar do tempo, da vontade

Agora mesmo digiro o tédio

Das companhias, das impressões,

Sento e acendo mais um cigarro,

O melhor mesmo é introverter-se

E cuidar da manutenção de si,

Nada das conveniências da procura

Apenas o eu, o bastante

O tolerável...

Costumes do Lar

O café sempre era posto às 07:14,
Banho sempre antes do almoço,
Mãos limpas, sentar-se corretamente
Sexo aos sábados á tarde
Aproveitando a monotonia da TV,
Um cigarro sossegado no terraço, conversas bobas
Cama enorme, dia cheio, todos a dormir
Repletos do sono que vem da fadiga;
O café hoje foi posto às 09:12
O pão não está assado como deveria,
A toalha, ainda molhada de ontem
Revela o desleixo de alguém outrora atencioso...
Neste sábado tem final de campeonato
E a transa ficou pra depois
A grana acabou, inclusive os cigarros,
Caras feias no terraço, disputas, palavrões, DRs infindáveis;
A cama agora é minúscula
Quase microscópica,
A fadiga ainda continua,
Tudo regado a boa dose de tédio,
Quem ainda não percebeu
São estes apenas costumes do lar.

Desabafo Para Deus

Sempre ouvi que a pior ousadia
Era olhar para o céu com cara feia,
Malcriação nunca foi tolerada por Ele,
Que fez a criança e a armou para a guerra;
Curiosidade atingiu status de pecado,
Desafiar é verbo impossível em bocas divinas,
Só o homem digere esta linguagem
E traduz para o Velho Caduco, no alto do Monte;
Sempre fui ousado e infame,
Deus vacilou ao fazer-me
Deixou sua própria crítica, porção minúscula, em minha alma
As piores caretas, os maiores palavrões,
Sem receios... apenas certezas...
De que não há nada nos céus
Além de estrelas maravilhosas...





23 de maio de 2010

O Grande Monstro Urbano

O grande monstro urbano...

Somos corpúsculos que o mantêm vivo,

A grande balbúrdia cotidiana da vida

Com suas idas e vindas infernais;

Buzinas e monóxido de carbono

Também as alegrias dos reencontros,

As tristezas das despedidas,

Gente a morrer em ambulâncias,

Também gritinhos ruidosos de quem apanhou pra respirar;

O grande monstro urbano

Tempo é dinheiro!

Vencer é lutar!

Seja o melhor!

Consumo às vezes fútil,

Cachorro-Quente a R$ 1,50

Na Conde da Boa Vista

Um caldo de cana, Hollywood e meio-fio;

Sento-me exausto, vislumbrando nossa pequena estatura,

As veias entupidas de ônibus superlotados,

De gente insatisfeita, Hora do Ângelo

Indo para a sopa noturna

Pensando na morte, no amor, na conta vencida

Eis o grande monstro urbano!

Impossível morrer,

Improvável não ser sentido.

15 de maio de 2010

Uma Ausência...

Uma mixórdia havia se instaurado no mundo. Repentinamente as pessoas tornaram-se estranhas, desconfiadas, olhando para os lados com uma aflição maior do que o normal. A TV, o rádio, os meios de comunicação em todos os países estavam, a todo o momento, emitindo mensagens as mais desencontradas, procurando explicações para o fato. Não se ousava mais olhar fixamente para ninguém, os cumprimentos estavam resumidos a rápidos gestos, muitas vezes bruscos. Parece que a típica cordialidade e educação humanas haviam escapado. Quando se tentava esboçar algo como "bom dia" ou "tudo bem com você?", percebia-se logo um ar de azedume terrível. Todos haviam acordado daquela forma naquele dia.

Alguns ambientes, que freqüentemente eram bastante movimentados, ali já estavam vazios: igrejas, bares, centros comunitários, universidades, prédios legislativos, congressos nacionais, bancos de praça.

Não se via mais o amor nas ruas, os abraços, beijos efusivos, olhares apaixonados e corações acelerados. As mãos já não se uniam a outras outrora tão íntimas; o que se podia ver era o distanciamento, cada casal dividido em indivíduos , e havia tanta gente nesta condição que houve até a preocupação da Igreja de que a raça humana pudesse ser extinta. Os pedidos de divórcio multiplicaram neste período, trazendo transtorno ás varas de família; os orfanatos superlotados com crianças deixadas pelos pais em cestos, sacos de lixo, caixas de papelão; agora não mais na surdina da noite, escondidos, mas sim à luz do dia, como se quisessem evidenciar o desprezo que tinham por aqueles pobres diabos. Aliás, as crianças foram as únicas que continuaram as mesmas. Suicídios também eram vistos com regularidade impressionante; muitos não se importavam em morrer, pareciam bem desiludidos.

Especialistas definiram posições as mais esdrúxulas para o fato de que as pessoas, de uma hora para outra, terem se tornado mais apáticas, tensas, deprimidas, fracassadas. Até mesmo o sistema econômico estava em bancarrota, com o comercio internacional indo de mal a pior; fábricas fechando as portas, grifes de luxo falidas, propagandas trazendo a felicidade, o amor, o dinheiro, como algo fácil e acessível, todas no lixo das empresas de marketing.

As grandes nações, reunidas em cúpula, estavam entregues não à reflexão do que poderia ter acontecido, mas às velhas pendências históricas e lavagem de roupa suja, e as antigas chamas dos piores conflitos, guardadas por precaução, pareciam reacesas.

Os tabus sexuais, sociais, ideológicos, religiosos, estavam mais vibrantes do que nunca, e o sofrimento vivido pelas minorias, que nunca deixou de ser visto, agora era aceito sem nenhum pudor: estava nítido no rosto de cada ser oprimido.

Mas aí alguém, num esforço mínimo de auto-crítica e de atenção a si, percebeu o que havia de errado com a humanidade, e todos acabaram concordando sem nenhum receio e com um certo ar de vergonha: soube-se que ,há alguns dias , a MENTIRA havia dado um tempo da vida dos homens, deixando-os à sorte.