12 de setembro de 2009

A Verlaine...

Nos subúrbios de Paris,
Caminha Verlaine, absorto,
Vida de bardo em sagazes companhias
Escravo do senhor verde que a todos corroía.

Em tavernas imundas, habita o príncipe dos poetas
Saudoso do amigo, que o cãncer o arrancou
Ele mesmo, já condenado ao repouso do pó
Sente-se ainda mais sujo, diante do horror

Diz: "Quero o insulto, prefiro a esbórnia
Como companheira de minhas exéquias,
Jovens esposos convidando minha alma
A juntar-se a deles, em canto solene.

Sentado e já sem forças,
Compreende que o tempo já se está acabando
Uma dor quase suave tem nas mãos
Uma vida que quis, diante de si

Rimbaud! Única luz!
Versos, senhores, de minha única faculdade
Acalentem este maldito em sua última imersão
Às profundezas amargas do líquido salvador

Paris não será mais a mesma
O Poeta saiu.
Vertigem o atinge e o desola
Foi morrer ao sol... ao sol...

Um Outro Samsa (última parte)

Quatro dias. Este era o tempo que a porta do apartamento 725 estava fechada. O porteiro, aquele mesmo atento observador do início, talvez porque fosse um tipo de barata exemplar, não havia notado nenhuma movimentação, quer daquele rapaz, quer de pessoas relacionadas a ele. O sumiço de alguém provoca reações diferenciadas em determinados grupos; no prédio em questão, houve um alvoroço sem precedentes. Por que a ausência de um condônimo traria tanto caos e perturbação? Aquele jovem tão estranho, a começar por sua aparência, heterodoxa, disrítmica. Não cumprimentava ninguém, não ia às festas de final de ano do prédio, nunca pediu sequer uma xícara de pó de café a um vizinho. Pensou-se em chamar a polícia para abrir o lugar, mas depois alguns ponderaram; acharam que qualquer hora daquelas ele iria aparecer. Preocupação puramente irrelevante; o que se queria era mesmo saber se havia morrido, se as orgias e as bebedeiras o tinham levado para o inferno, para o raio que o partisse, para a puta que o pariu, se se veriam livres daquele sujeito tacanho, metido, que não se importava, não se comovia, não interagia com ninguém.
Lá dentro, ainda havia vida. A Tv, ainda ligada, ainda fora de estação, era a única coisa que reagia. O corpo de Samsa estava jogado numa cama imunda, como um defunto. O mundo estava rápido demais, dizia ele. Todo inseto precisa de rapidez. "A vida é muito curta", "o mundo gira, o mundo é uma bola", "o tempo urge" eram bordões já calejados nos ouvidos dele. Entendia que aquelas pessoas, que ele só conseguia ver e perceber através de suas semelhanças com insetos, estavam loucos em procurar sentido para tudo. Suas vidas estavam ali, passando, e o tempo é implacável com quem o desperdiça. Não suportava as formas, os dogmas, os tratados, processos, leis, paradigmas, instruções, vigências, isso ele não tolerava. Via nos vizinhos o nojo que é viver sempre guiado, sempre com as impressões dos outros, as roupas dos outros, as manias dos outros, e a si mesmo vazio. estava cheio, cansado, não via mais graça naquilo. Por que tudo na vida deve ser limpo, ordenado, positivo, por que as pessoas só levam em conta quem tem projetos, afazeres, planos, sociabilidade? Sair e encontrar-se com sujeira e lixo das mentes alheias? Preferiu ficar. Trancou todo o apartamento. Não se viam mais garotas, nada era levado até lá. Quis viver como gente, fazendo as coisas que quer fazer, mesmo que sejam suicidas. Se não temos vontade própria, que porra fazemos aqui? Estava disposto a deixar com que sua fisiologia se extinguisse, realizando sua vontade nele.
Alguns dias se passaram e a porta foi arrombada. os vizinhos logo chamaram a polícia e a imprensa logo chegou, como traças. Todo o prédio deslocou-se para o 725 e ao chegarem ao quarto viram Samsa morto, deitado na mesma posição, de defunto; coisa almejada, buscada . Um bilhete foi encontrado. Dizia que "se fosse para viver como inseto uma vida feliz, preferia descobrir a verdade lá fora ,como homem". Ninguém entendeu. Logo jogaram aquilo no chão e foram para casa, deixando para o serviço público o papel de recolher os cadáveres imprestáveis . Meteram-no em algum buraco próprio para indigentes, e lá sabiam que a sua companhia na morte seriam os mesmos vermes que ele não queria conviver, em vida.