8 de setembro de 2009

Um outro samsa (parte 2)

Quando ele saiu, a pouco, lá estavam eles, a espreitar. Um inseto possui suas características bem definidas, e ele sabia a de cada um dos seus vizinhos. A do 532, ficava sempre a correr pelos corredores a tratar dos assuntos alheios, quase sempre trazendo doença, medo, morte, inúmeros comentários que todos já sabiam - tinham a Tv em casa justamente para isto -. O que aquela mulher achava que era? Uma porta-voz de quem não pediu opiniões? Ele a considera uma barata, que com sua rapidez asquerosa torna o ar insalubre. Ah, o senhor do 457, viúvo e ainda necessitado dos favores femininos. Não era raro vê-lo a espiar as fechaduras em horários de banho, quando as meninas ,moças, mesmo as velhas, estavam a se lavar. Sua falta de pudor já havia sido flagrada inúmeras vezes, mas o velhote era admiravelmente reincidente em seus atos. Um rato. Não era um inseto, mas vivia bem ao lado deles. Um dia quis convidá-lo a sair daquela masturbação psicológica a qual vivia , mas depois retrocedeu. Não iria fazer este favor a tão vil criatura. A do 205 era imensamente provocante, tinha lá suas positividades, mas era tão ignóbil quanto todas aquelas pessoas. Já dormiu com ela várias vezes; dá-se ao desfrute quando desejar, e isto trazia algo bom para ele. Encontraram-se certa vez no mercado, ela com sacolas pesadas para carregar e ele com alguma coisa na mão para levar ao fogo para sua janta modesta. Naquele dia acabou comendo aquela mulher, imensamente puta, imensamente suja, imensamente vil. A cada estocada, um repúdio; a cada gemido daquela maldita, uma vontade de lhe dizer que não valia nada, que era apenas um objeto feio e fraco, disponível agora quando os seus dedos estalassem. cassificou-a como uma mosca, sempre grudada em quem lhe der prazer na cama, trazendo consigo os cheiros dos homens da rua com os quais ela se deitara anteriormente. Era tão nojenta. Transava com ela por pura vontade de submetê-la aos mais degradantes caprichos, às mais toscas experiências, e disso tudo ela gostava ainda mais daquele jovem. Não conseguia entender o porque e tamanha disponibilidade para o ridículo, o banal; era apenas sexo, o maldito sexo que move tudo e todos, sempre.
Voltou para o apartamento e logo ligou a Tv. Um costume que agora não fazia mais tanta importãncia para ele, uma vez que estava tão absorto, tão entregue a devaneios longuínquos. Aquele aparelho nem fazia diferença em estar ali. Havia contas no chão, próximas ao carpete. Foram jogadas pelo síndico idiota que sempre o importunava com detalhes ínfimos sofre os "direitos e deveres dos condôminos, principalmente a moral e os bons constumes". Imbecil. Todos sabiam da sua prática sodomista com o eletricista malhado que por ali visitava os apartamentos de vez em quando. ele cobrava muito caro, mas era sempre o escolhido para realizar os serviços elétricos. Ninguém via que naquela aparência risonha e deliberada, cheia de préstimos e mimos, escondia-se um covarde pederasta infantil, que mantinha a longa data um romance com aquele jovem empregado? Sua mulher ficaria chateada se soubesse. Já estava na janela àquela hora. O chiado provocado pela falta de uma estação definida na TV evidenciava que ali, naquele instante, reinava absoluto o desleixo, o despropósito, a falta de vontade de corrigir atos comuns, como achar alguma coisa para assistir. O apartamento era pequeno e úmido. Quis que assim fosse. Não queria nada muito ventilado ou iluminado. A energia elétrica fazia bem o seu papel artificial, não precisava do sol para nada. Sempre achou que o sol trazia a lume minúcias, e ele odiava aquilo. os livros estavam dispostos de maneira desigual, sem simetria alguma. Volumes grossos e finos, autores nacionais e estrangeiros, todos irmanados, os que diziam muito e os que diziam pouco, os baluartes e os anônimos. Dali daquela janela era possível perceber que tudo naquele espaço já havia sido conferido, sugado, vivenciado, transpassado por ele. Não via mais graça naquilo; estava ficando doente.

continua...