28 de maio de 2011

As superfícies e as palavras

Dá-se mais valor às superfícies. As palavras quase sempre traduzem pouco. O que se vê é a estética do papel, do corpo, de um rosto sem manchas, se está devidamente limpo, onde foi achado, onde mora, qual sua procedência, se tem hábitos malvistos ou é um gentleman. As palavras, sujas ou não, pouco importam. Vê-se isso nos comportamentos, Nada se aprende. A estética da superfície é mais plausível, bem mais discutível do que algumas palavras incógnitas, hieroglíficas. Seria este o grande fracasso de toda a tentativa de se explicar o humano?
Acho mesmo que como as palavras seguem sempre depois da avaliação da estética, aquelas não são respeitadas nem levadas à sério. A técnica fabrica o papel, o sensível transcreve as palavras. É tudo mesmo nesta ordem impositiva, muitas vezes cruel e irracional. Afinal de contas, os que se submetem ao exagero do belo que o suportem, as palavras sempre são mais leves de carregar. Como tudo o que há no mundo, a superfície é mesmo o que conta.
E seguem-se as incoerências... Uma pena.

11 de outubro de 2010

O Surdo-Mudo

Tornei-me, ó Deus, Surdo-Mudo...
Silêncio ao falar...
Silêncio ao ouvir...
A imperturbável posição, inflexível
De alguém que simplesmente cansou...
Tornei-me,ó Deus, pelo hábito, Surdo-Mudo...
À toda a desgraça humana...
À todo rito ruidoso...
À toda fé praguejada...
À toda ciência verborrágica,inútil e pós-moderna
À toda amizade forçada...
À todo dizer... 'Eu te amo'...
À todo ouvir... 'Não te quero mais'...
Tornei-me,ó Deus, Surdo-Mudo...
Qual humano sobrevive a isto?
Apatia,
Solidão,
Distância,
Estranheza,
Receio...
Aquele desconfiar canino...

... Fi-lo porque qui-lo?

Tornei-me, Grande Mito...
Um enorme Surdo-Mudo...
Este é o segredo dos deuses...

5 de outubro de 2010

Em Trânsito

Elas vão e vêm... as pessoas
Veículos de amor, de ódio,
De olhares marcantes, de palavras duras
De tédio e de vivacidade...
De ideias revolucionárias, que mudam tudo...
Sempre vão e vem...
Uma grande avenida, aclives e declives a permeiam...
Estradas dentro de cada um
Alguns carros invadem tua rua...
Derrubam teus muros, impenetráveis
Vão embora, sem prestar socorro algum...
Elas vão e vêm...
Não há guardinhas, nem lei que regule este ir e vir...
É caótico mesmo, e muitos se arriscam
Altas velocidades em busca do fim...
Outros andam bem devagar, sem manutenção...
Medo de pneus furados e vazamentos de óleo...
Elas sempre vão e vêm...
Muitos morrem na pista...
E quantos morrem!
Alguns vão embora e deixam saudades...
Outros chegam e pedem informação... acabam ficando...
Dia e noite, vão e vêm...
Este é o trânsito...
Quer uma carona?

9 de agosto de 2010

Crônicas Malfadadas do Jovem Capistrano - Do convívio social e o que esperar dele

Meu prédio situa-se numa movimentada rua do centro. Nem sei porque diabos vim parar aqui; todo este circular de gente desconhecida me deixa ainda mais solitário, mas uma solidão estranha.
Ninguém torna-se averso às pessoas por acaso; penso mesmo que, quem decide viver recolhido dos outros na verdade é a pessoa mais sociável que possa existir, pois não trava vivências com qualquer um, como a maioria. Animais como estes foram espremidos, marginalizados, levados a um exílio forçado pelas tolices que o mundo costuma oferecer aos pensantes, aos auto-críticos; eu bem que poderia estar agora mesmo, um sábado à noite com clima tépido, num pagodão suburbano, bastante comum nesta região da cidade, e verificar in loco as fêmeas todas, suas lascividades e interesses econômicos, movimentando o capital daqueles que querem gastar com uma boa bunda o seu mísero salário mensal, mas, pensando bem, é preciso mesmo um alto desprendimento antropológico para encarar tal tarefa, além de ser bastante tolerante e, se quiser, imbecil e neurastênico. Compro o pão e volto ao meu apartamento com a firme convicção de que fiz a escolha certa, vendo tudo pela janela de casa.
Naquela noite a campainha tocou. Nunca esperava visitas, ainda mais naquela hora. Seguia a perfeita lógica de que, se eu não tinha amigos próximos o suficiente para me abordarem em casa com suas visitas, eu poderia estar relaxado sempre, pois aquele evento jamais aconteceria. Mas naquela noite aconteceu. Alguém descobriu meu endereço, tocou a campainha, e esperava uma resposta minha; a única coisa que poderia fazer era olhar quem havia se atrevido a tanto. O olho mágico me revelou uma mulher loira, bem vestida e com ares de impaciência. Uma mulher... que porra é essa? Não tinha seguro, plano de saúde, não havia chamado nenhum testemunha de jeová para me guiar em algum estudo bíblico... uma mulher... olhei novamente e era mesmo uma mulher, loira, bem vestida... a campainha tocou novamente, e eu não poderia mais aguentar aquele barulho infernal. Entreabri a porta.
- Capistrano?
- Sim, o que deseja?
- Não lembra de mim?
Por que as pessoas sempre têm que recorrer a esta metodologia cretina de aproximação em uma situação esdrúxula como aquela? Claro que eu não lembrava dela! Não lembrava de ninguém com quem por ventura houvesse me relacionado, em qualquer âmbito sociológico, nas últimas duas semanas, e ela parecia estar vindo de um lugar muito mais longuínquo do que este.
- Não acredito que você não esteja lembrando de mim, Capistrano... sou eu, Júlia.
- Júlia? Não conheço nenhuma Júlia...
Claro que eu conhecia Júlia. Ela era uma colega de classe nos tempos da universidade. Bonita, corpo agradável, perfume caro e oloroso, mas intelectualmente fútil e tola, esta espécime sui generis tinha a aspiração imbecil de ser uma atriz. Era risível. Bastante popular entre os machos do bloco onde estudávamos, ela sempre arrancou sorrisos, lanches, suspiros e más intenções de todos ali, ávidos em pelo menos tocar suas ancas ou ver algum lance de decote ou calcinha; era a única coisa que teriam dela. Sua superioridade estética era incômoda para o restante das garotas, e se algum cara discursasse, de maneira bastante falsa, que não via sentido em toda aquela adulação, era um forte candidato a ficar com algumas sobras daquilo que os outros rapazes não tinham qualquer interesse.
Abri a porta e deixei que ela entrasse. Não havia mudado muito desde que nos vimos pela última vez, na colação de grau. Ela, como sempre, exuberante, um modelo aceitável de uma padronização do belo no ocidente; não se espantou ao ver que eu morava num casebre vertical, os móveis todos rotos, roupas íntimas jogadas a qualquer canto, pontas de cigarros e restos de pão recém devorado no chão da sala. Sentou-se e começou a falar, sem pausas, como era o seu costume odioso:
- Capistrano, me disseram que você estava morando por aqui, então resolvi fazer uma visitinha... sabe queels planos de me tornar atriz? Você sempre me ajudou tanto...
Ah, não! Puta que pariu! Mas que droga de mundo é esse?? Algumas vezes uma lição é apreendida de forma bastante rápida e indigesta, e aquela maldita porta jamais seria aberta novamente para uma mulher , seja lá quem for, mediante influência dos meus hormônios.

continua...

10 de julho de 2010

Crônicas Malfadadas do Jovem Capistrano - Apresentação

Permitam-me uma apresentação formal. Chamo-me Capistrano (minha alcunha completa não é necessária; um fragmento, que acho o menos feio do todo, já é o sufuciente); jovem ainda, mas não tão disposto às dobras que os caprichos desta fase da existência possa proporcionar. Onde resido, o que como, com quem durmo, estas informações que são relevantes a qualquer primeiro contato social também dispensarei, deixando ao leitor (se alguém se propuser) a liberdade que só a imaginação atual pode conceder. Prefiro mesmo que esta relação se restrinja a isto: de minha parte, prometo ser o mais sincero e racional que puder, e isto não é um personagem de Poe, mas um simples organismo dominado pelo topo neural que decidiu compartilhar algumas impressões; e da parte de quem lê, a passividade reflexiva e silenciosa, quiçá um questionamento, uma réplica furtiva, dignas de quem tem sensibilidade e educação para ouvir, sem interromper em momentos inadequados.
O que proponho não me parece ser nada novo; eu diria mesmo que é tão clichê quanto o que se apresenta por aí em crônicas e bate-papos informais. Estas análises não se encontram em quem escreve; elas já estão aí, à vista de qualquer um. O que difere aquele que lê, o simples receptáculo da opinião alheia, às vezes dotado de algum senso crítico e, mais raro ainda, versado o suficiente para produzir algum contra-argumento, e quem produz o informativo, o que se vai ler, é a agudeza de espírito e a predisposição genética ao absurdo. Isto não se adquire; com isto se nasce! E digo mais: se faz necessária esta distinção, esta divisão de classes, mantendo-se sempre a distância segura entre ambos. Quem lê está por aí, a degustar das frivolidades da existência, dos prazeres e dos hormônios. Não estão muito preocupados em formular conceitos, chavões, máximas, axiomas, postulados. Quem escreve, este sim, sente toda a angústia do pensamento, da dúvida, dos sentimentos controversos e penosos; é o que não tem esta vida comum, que se dispõe a observar, pacientemente, a atmosfera humana em todos os ângulos, sendo atingido por suas vaidades, abominações, idiotices e raros momentos de beleza. Não duvide: isto é demasiado cansativo, e uma postura assim, masoquista, só pode vir do berço, de uma disfunção emocional, ou mesmo de uma normalidade exagerada.Toda a cultura humana, com o seu peso titânico, está fixada neste pedestal frágil, facilmente extinguível. Há os que leem e retêm o já mastigado conteúdo em suas gargantas, prontos para vomitar parcelas daquilo que a memória puder guardar em ocasiões que achem convenientes, e há os que escrevem , os que formulam os baluartes daquilo que consideramos certo ou errado. Estamos fritos! Se toda a nossa bagagem cultural está vinculada ás impressões alheias, é possível começar a entender o porque deste planeta não mais nos suportar, regorjitando-nos constantemente em catástrofes metereológicas e intempéries sinistras. Terei muito tempo para divagar sobre tais alumbramentos.
Sinto-me nos dois grupos citados acima. Existe também este reduzido e esmagado rol, de pessoas que tanto se convencem de que não é possível viver razoavelmente enxergando as realidades ao redor, quanto de outros que têm nos prazeres dos sentidos a grande fuga, o grande mote da saída estratégica. Neste jogo, prefiro ser aquele que escreve. Não nego minha imparcialidade, nem o meu distanciamento voluntário, e, ademais, não gostaria de encontrar quem lê estas linhas em algum café que frequento, ou em algum cinema isolado, atrapalhando este meu trabalho etológico com impertinências que podem facilmente ser respondidas aqui mesmo,neste ambiente virtual.
No mais, me vejo cansado deste primeiro contato. Voltarei, já que me propus a esta terefa, que espero não seja vã. Que o humor varie bastante, que os olhos continuem abertos e que nada se repita, ao ponto do leitor conseguir notar tal barbaridade, acusando-me de enfadonho.
Ao vencedor, as batatas!