21 de junho de 2010

Um Escritor e o Desescrever - Parte I

Aquela cidade estava encravada numa pequena ilha, não muito distante do continente. Minha velha genitora tinha um sonho: conhecer uma pequena posição geográfica como esta. As ilhas sempre trazem um distanciamento, uma revolta em favor da solidão, e não parece ser muito distante os conceitos de Darwin sobre a proliferação de espécies exóticas, diferentes das demais, adaptadas aos ambientes mais separados das grandes convenções biológicas. Era possível perceber isto ali; tanto a natureza quanto os homens eram de uma singularidade ímpar, não detectável em lugar algum.
Tinha ido nesta viagem à convite de um professor emérito da universidade de... da qual fiz parte do corpo docente.Eu estava aposentado, e ele havia visto minha fotografia num jornal da ilhota, de pequena circulação. A internet também estava repleta de citações dirigidas a mim, dito um grande escritor, aclamado e sem dúvida bastante conhecido em toda a parte. Ele havia me lançado um desafio, pois já vivia ali há alguns anos, e fez um certo segredo, dizendo que seria bem mais conviniente se me dirigisse até lá, para tomarmos um bom café (este continental) e discutirmos o teor desta tal empreitada. Assim sendo, segui, intrépido.
- Que bom que veio, George. Está bem mais magro... e continua um fumante inveterado.
- É gregor, algumas coisas nunca mudam, não?
- Sim, nunca mudam. Como foi a viagem até o cais? E a baldeação, ainda conturbada?
- Pareceu-me bastante agradável. Não vi nenhuma balbúrdia.
- Esta ilha era uma novidade quando vim para cá. Naquele tempo a travessia era bastante tempestuosa, mas parece que nisto também houve modificações. Vamos, meu carro não está longe daqui.
Era inevitável não perceber a organização daquele lugar. As estradas, todas excelentes, eram bem sinalizadas; as ruas, todas, em impecável harmonia, e as casas não diferiam muito em conforto e boa aparência. Não vi transeuntes. É verdade que chovia um pouco, e o frio era intermitente, mas nem estávamos num dia de feriado ou final de semana, momentos comuns lá, nas grandes cidades, onde isso acontecia, frequentemente. Gregor explicou esta minha observação dizendo que ali era normal as pessoas não saírem com frequência, preferiam ficar em casa assando petiscos em suas lareiras e se distraindo com as programações da TV local.
- Aqui há uma emissora de TV?
- Sim, há. Fiquei surpreso também. Não consegue-se captar qualquer sinal na capital, e de lá nada vem. Estranho, não?
- Parece. E o jornal, poderia me mostrar algum exemplar?
- Tenho a edição de hoje em casa, logo logo vai poder vê-lo. Aliás, isto tem a ver com o propósito de sua vinda aqui. Algumas surpresas o aguardam, George.
Paramos em um pequeno mercado, bem ao lado da rodovia, que estava bastante segura das fortes ondas que vinham do oceano por um sistema de diques fabuloso. Gregor pretendia comprar alguns itens que faltavam para o jantar, que se aproximava, e algumas bebidas para o encontro. Preferi ficar no carro, observando aquilo que agora era uma pequena tempestade invernal. Sempre fui bastante ávido com aquilo que não conhecia, e resolvi rapidamente adequar os sentidos para tudo o que me era mostrado naquela paisagem. Tudo estava normal, mas de repente um fato me deixou confuso, realmente perturbado por alguns segundos. Gregor estava com algumas sacolas nas mãos, e pediu minha ajuda para colocar tudo aquilo na mala, não tinha trazido qualquer agasalho ou guarda-chuva para aquela ocasião.
- A tempestade intensificou-se. Mas tudo aqui é bastante tranquilo, não se preocupe. Minha casa é bem aconchegante nestes tempos de frio, vai gostar.
- Gregor, não pude deter minha curiosidade num aspecto que pecebi naquele mercado...
- É melhor nos apressarmos, se quisermos aproveitar a noite que se segue, não?
- Sim, vamos, mas...
- Calma, meu caro. Já sei o que incomoda você. Isso faz parte do plano. Se conseguir conter as impressões em seu cérebro, assim que nos acomodarmos tudo será dito, ok?
- Tudo bem.
Seguimos em direção à casa de Gregor. segui-se na estrada, pelo lado direito, uma pequena floresta de pinheiros agradável e buliçosa, por conta dos ventos que vinham do mar. Tudo muito bem delineado, cada espaço entre as árvores era, ao que me veio á mente, milimetricamente definido, padronizado. De soslaio percebi que Gregor estava atento ao que eu estava percebendo, e um ensaio de sorriso surgiu. Aquilo tudo estava começando a me deixar nervoso.
- Se quiser cigarros, aí tem um bom maço. Havia deixado o jantar em "stand by " antes de seguir para o cais. Não demora muito e logo estaremos em local seguro. - disse Gregor, de olho na estrada.
- Preciso realmente tomar um bom banho.
Depois de um pequeno monte, bem arborizado, uma pequena estrada entre a floresta nos levou até a casa de Gregor. Era em estilo vitoriano, branca, rodeada pelos pinheiros molhados, com uma boa frente descampada, repleta de folhas amareladas do recém terminado outono, que ali era bastante evidente pelo visto. Quatro colunas seguravam aquilo que era um terraço bastante agradável, gradeado á altura de uns 1,10cm; uma cadeira de balanço e algumas cadeiras em cana-da-índia. Gregor estacionou a sua BMW SW bem em frente ao terraço, correu para a mala e retirou ás pressas os itens que havia comprado, e fomos para dentro.
- Seja bem-vindo, George. Aqui pode se sentir em segurança.
- Por que eu deveria e sentir seguro? Você já vem insinuando isto desde que saímos do mercado, quando eu ia inquiri-lo sobre o que vi...
- O que prefere, spaguetti a bolongnesa ou ravioli em molho branco?
- Bom, o que preferir, mas...
- Se não em engano, ouvi você falar em banho no carro. Bem, posso ajudá-lo com isso oferecendo uma boa suíte, no final do corredor, subindo as escadas. Tudo está lá, pronto para lhe ser útil. Se precisar de algua coisa a mais, grite.
Subi as escadas, acompanhado por belos quadros bem dispostos na parede.
- São artistas locais, acredita?
- Fantástico, Gregor!
- Por isso estão aí, hehehehe... vamos, apresse-se, vou também cuidar do meu asseio. Até breve!
Havia mais quadros, obras belíssimas, por toda a casa. O pavimento superior estava repleto de pinturas de extremo bom gosto, que em nada deviam aos italianos, flamengos ou ingleses que já tinha visto antes.Esculturas magistrais também povoavam as estantes, em médias colunas coríntias realmente impressionantes. Na suíte realmente não faltava nada. Tudo bem organizado e em ótimo estado, convidativo para um banho demorado e quente.
Quarenta minutos foram necessários para que o cheiro da maresia fosse pelo ralo, e eu realmente me sentisse civilizado e limpo outra vez. Gregor já estava na cozinha, vinho aberto e duas taças, uma quase no fim.
- Com está se sentindo, George? Espero que tudo tenha estado a seu gosto.
- Sua receptividade é incrível. Realmente não me enganei em vir.
- Que bom que tenha gostado. Sente-se, tome um pouco de vinho. A temperatura ambiente está agradável para você?
- Sim, nada muito diferente do frio do continente.
- É. Eu sempre tento manter a temperatura a mais parecida com o continente. Faz algum tempo que não o visito. As tarefas cotidianas têm castrado meu tempo.
- E como andam as coisas por aqui? Soube que você instalou-se numa universidade recém criada...
- Sim. Eles precisavam de um professor de semiótica, e tive a oportunidade de ser contratado. Você sabe, George, estamos aposentados, mas não podemos nos esquivar de desafios. Trinta e cinco anos de sala de aula não foram o suficiente, e aqui, especificamente aqui, tudo isso é potencializado, pode acreditar.
- Por que?
- Decidi pelo spaguetti. O que acha?
- Perfeito! este vinho cairá bem com a massa.
- Ótimo. Estamos indo bem.
- Receio que há em você uma esquiva em relação aos meus questionamentos sobre este lugar, e sobre o que vi. Acredito que o mistério traga uma sensação saborosa a você, mas a mim é massacrante.
- Está ficando velho e enferrujado, George. Você sempre foi o mais arguto entre nós.
- Esta reflexão sobre mim eu não conhecia, hehehe.
- Nenhum outro poderia estar aqui, George. Esta ilha guarda algo que você certamente desconhece. Acredite, não está aqui por acaso.

continua...