25 de julho de 2009

Quem tem ouvidos para ouvir...

Povo. Palavra feia. Muita gente confunde povo com nação, com Estado. Temos um dos povos mais feios do mundo, e isso não é motivo para honras. É só sair às ruas e constatar este dito. São milhares de pessoas, todas disformes, completamente, e a maioria é assim, por isso não há alarde. Fisicamente falando são bonitos. Mistura racial deliciosa, onde todas as cores se confundem numa aquarela fantástica de efeitos os mais diversos; narizes, bocas, feições, cabelos, corpos, todos moldados pelo acaso da pluraridade, isto trazendo aquela sensação de surpresa a cada esquina, não se sabendo o que encontrar no próximo minuto. Povo feio. Seu caráter, principalmente em sua ala mais pobre, é valoroso e imitável. procuram ser honestos, pagar as contas, serem solícitos. Mas que povinho mais feio! Criatividade deveria ser seu sobrenome. Burlam as tragédias cotidianas como um atacante maroto derruba um zagueiro distraído; se perdem o emprego, logo estão a desenvolver idéias para ganhar a vida, sendo bem sucedidos muitas vezes. Quando as coisas apertam, conhecem o caminho que sempre é o mais viável. É muita feiúra! Por que digo isso? Somos feios; deixamos as coisas acontecerem de maneira passiva; toda a sorte de injustiça é cometida e não há neste povo uma revolta, uma indignação sequer. Além de feios, somos burros. Sempre estamos cometendo burrices, permitindo um estado de coisas inconcebível, intragável. Um espelho gigante, de imagem sincera, captaria a imagem mais tenebrosa, mais assustadora. A feiúra se encontra em nossa teimosia doente de não nos mobilizarmos, não termos auto-crítica, não distinguirmos o que fazem conosco. Ao invés de pensarmos em tanta coisa, preferimos um bom tira-gosto e uma cervejinha gelada, deixando tudo isso para depois. Patrocinamos esta subjetividade lucrativa que é o estado brasileiro, e somos sempre seduzidos por gravatas, perfumes e palavras bem colocadas, empreando em nossas decisões a estética do mais simpático, não do mais competente. Feios. Deixamos nossos filhos a mercê de um futuro péssimo, que breve estará aí, soprando em nossas janelas o bafo frio da incerteza e do caos. Precisamos mesmo ficar assim, tão desfigurados perante os outros, ou já se foi o dia em que todos teremos esperança de mudar alguma coisa? Não somos feios, apenas mascarados com rostos horríveis; tirar as máscaras e desenvolver-se é crucial. Façamos Hoje.

O ônibus

Sempre achei o ônibus um excelente lugar para percepções do cotidiano. Somos indivíduos, e por isto mesmo não cedemos com facilidade aquilo que temos, principalmente espaço. O coletivo configura-se numa quebra deste paradigma; igualmente delimitados, a disposição dos assentos, dos corrimãos, proporcionam esta proximidade quase aviltante, invasiva, para alguns; bem-vinda e mesmo sexualmente proveitosa para outros. Pouco se conversa. Soslaios são eventuais, mas cheios de sisma.
Também encontram-se vidas que dependem deste veículo para estarem vivas. Sucedem-se a cada parada, mas são o retrato comum das cidades cada vez mais cosmopolitas e proporcionalmente desiguais. Vê-se nestes rostos muitas vezes a vontade de estar ali mesmo, naquele reduzido retângulo comum motorizado, participando daquela vida chata, sem graça, que muitos ali sentados estão a viver, com seus empregos e carreias em andamento. A violência não está excluída da viagem, para alguns passageiros a última de tantas, e onde a brutalidade, o ódio sem motivo por pessoas que nunca se viram antes, aglutinada a intensão de viver, ser notado, de estar em uma situação muitas vezes decisiva para si - a prisão, a morte - tomam conta e já se encaixam naquele cotidiano sem fim. Mas o que mais me incomoda é justamente saber que muitas pessoas que compartilham comigo um trajeto ás vezes curto, nunca mais cruzarão meu caminho. Tanta gente que não conhecemos e que estão disponíveis a nós nos ônibus, nas paradas, nos terminais, e nem nos damos conta de que somos coletivos, partilhamos idéias, concepções, fundamentos. O sistema que nos rege hoje nos torna mesquinhos, imparciais; tememos um primeiro contato, um sorriso, uma aproximação qualquer. Por conta do ônibus somos todos solidários uns com os outros. Nos causa revolta sua demora; sua chegada, alívio; recebemos os mesmos solavancos causados pelos buracos na rua; sofremos a dor irmanada de um acidente, de um assalto. Quando descemos em nosso destino, o coletivo prossegue, e com isso voltamos ao estado de liberdade individual que, no ônibus, tinha se perdido temporariamente. Este meio de transporte tornou-se um micro-exemplo do todo que somos. Andemos mais de ônibus!