25 de julho de 2009

O ônibus

Sempre achei o ônibus um excelente lugar para percepções do cotidiano. Somos indivíduos, e por isto mesmo não cedemos com facilidade aquilo que temos, principalmente espaço. O coletivo configura-se numa quebra deste paradigma; igualmente delimitados, a disposição dos assentos, dos corrimãos, proporcionam esta proximidade quase aviltante, invasiva, para alguns; bem-vinda e mesmo sexualmente proveitosa para outros. Pouco se conversa. Soslaios são eventuais, mas cheios de sisma.
Também encontram-se vidas que dependem deste veículo para estarem vivas. Sucedem-se a cada parada, mas são o retrato comum das cidades cada vez mais cosmopolitas e proporcionalmente desiguais. Vê-se nestes rostos muitas vezes a vontade de estar ali mesmo, naquele reduzido retângulo comum motorizado, participando daquela vida chata, sem graça, que muitos ali sentados estão a viver, com seus empregos e carreias em andamento. A violência não está excluída da viagem, para alguns passageiros a última de tantas, e onde a brutalidade, o ódio sem motivo por pessoas que nunca se viram antes, aglutinada a intensão de viver, ser notado, de estar em uma situação muitas vezes decisiva para si - a prisão, a morte - tomam conta e já se encaixam naquele cotidiano sem fim. Mas o que mais me incomoda é justamente saber que muitas pessoas que compartilham comigo um trajeto ás vezes curto, nunca mais cruzarão meu caminho. Tanta gente que não conhecemos e que estão disponíveis a nós nos ônibus, nas paradas, nos terminais, e nem nos damos conta de que somos coletivos, partilhamos idéias, concepções, fundamentos. O sistema que nos rege hoje nos torna mesquinhos, imparciais; tememos um primeiro contato, um sorriso, uma aproximação qualquer. Por conta do ônibus somos todos solidários uns com os outros. Nos causa revolta sua demora; sua chegada, alívio; recebemos os mesmos solavancos causados pelos buracos na rua; sofremos a dor irmanada de um acidente, de um assalto. Quando descemos em nosso destino, o coletivo prossegue, e com isso voltamos ao estado de liberdade individual que, no ônibus, tinha se perdido temporariamente. Este meio de transporte tornou-se um micro-exemplo do todo que somos. Andemos mais de ônibus!

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