6 de setembro de 2009

Um outro Samsa ( parte 1 )

Havia amanhecido, e as garrafas ainda estavam ali. Mais uma noite orgiástica, mais drogas, mais sexo, mais vivência extrema. Ele parece estar moribundo, encostado num pequeno sofá sujo pelos líquidos expelidos quando não se aguenta mais as ingestões, os vapores. Mirna, Beatriz, Simone. Todas foram embora. O porteiro viu quando saíram, cambaleantes e ainda vestindo suas roupas. Ele ensaia uma recuperação, tateando o caminho que leva ao banheiro, para lavar-se. Acredita que com este ato, o contato corpo-água, poderia livrar-se da dor, limpar algum vestígio de insânia, de putrefação psicológica que estava chegando, já a martelar seu pobre juízo. Gostava daquela vida. Tinha mesmo naquela forma de interagir algo que o mantinha sadio, forte; vislumbrava nos livos da pequena estante os mortos que um dia viveram intensamente, os heróis e vilões que trouxeram forma, estética ao mundo. O prédio onde morava estava infestado por insetos enormes, grotescos. Estes tinham formas, cores, cabelos e hábitos quase sempre moralistas e corretos, como uma boa sociedade exige. Mas, como tudo o que vinha do lixo, fediam, eram pestilentos e transmitiam virulência sem parar. Tinham um manual sempre preso entre os braços, capa preta e páginas douradas. Os corredores dos andares eram estreitos, e o espaço entre os apartamentos era exíguo, logo a vida, que deveria ser particular e de forma nenhuma intrusiva, era dividida no melhor molde socialista. Ele parece odiar estas formas de sociabilidade. Estava cheio, exaurido. As pragas vinham, quase sempre, depois dos seus momentos de embriaguês e sexo, comentar os gemidos, as frases heréticas, os versos ditos, os cheiros e barulhos provenientes da luxúria e da fanfarrice que ele promovia em sua casa. Estava realmente cheio. Já tentara vender aquele cubículo a algum amigo, sem sucesso. naquele dia tinha despertado diferente, com mais sede de viver, com mais ânsia, mas ao mesmo tempo estava mais esgotado do que nunca, fisicamente afetado e psicologicamente estranho. A noite anterior tinha sido excelente. As mulheres , fêmeas insignificantes, vinham libertadas, doces, sorrisos largos e seios á mostra. Duros e suculentos. As pernas, sempre grossas, sempre lisas, sempre aromatizadas, corpos que pretendiam exercer suas funções com a maior possibilidade, enfrentando a matemática convencional das posições e métodos de amar. Ele estava ali, sempre disposto, sempre acordado; não sentia aquelas mazelas que o sol trazia consigo ao amanhecer. Tinha o cérebro inundado por química favorável, estímulos gananciosos mas facilmente repartidos. Não conseguia esquecer uma coisa: As pragas.

Continua...