8 de agosto de 2009

Uma crítica à Verdade

A verdade sempre foi ovacionada pelo homem como o maior dos valores. Sua existência significa para a maioria a segurança das relações, dos contratos, das amizades, dos amores. No entanto, creio que este sentimento não nos cai bem, ou pelo menos ainda não conseguimos adaptá-lo ao nosso cotidiano. Admitir que tudo o que construímos - aquilo que é descrito na arte, na música, na moda, nos comportamentos, nas nossas concepções filosóficas, religiosas, políticas - não passa de engodo e mentira meticulosamente incutida, parece absurdo e psicologicamente inviável. Uma auto-crítica talvez possa ajudar a compreender melhor o fato. A maioria daquilo que temos como verdade é questionável racionalmente, e por este mesmo motivo, impraticável de maneira igualmente consciente. O amor, que rende trilhões em todas as moedas correntes do mundo, figura entre as maiores inverdades já vistas. Não seria possível, dentro de uma razão exclusivista e egocêntrica como a nossa, suportarmos os defeitos, as arrogâncias, as vilanias, os odores, as idiotices do outro sem uma grande dose de paciência, interesse e desprendimento claramente irracionais. O desejo, de fato um fundamento inerente a nós, é a grande causa destas aproximações, deste suportar incompatível; peitos, músculos, bundas, perfumes, "objetos" todos falseando a realidade e criando iconografias estranhas, bizarras., mas que aceitamos como padrões verdadeiros. Compreender como podem acontecer os diversos casos de "amor a primeira vista", é tarefa árdua, sem nenhuma chance de esclarecimento pelos moldes conscientes. As outras relações e preceitos humanos seguem este mesmo raciocínio. A arte... como explicar a tendência que possuímos para o gosto pelo exagero, pelas formas mais estranhas e subjetivas, intragáveis à primeira observação dos sentidos, estes segmentos extensivos da racionalidade? Não há dúvidas de que a imposição ao longo dos tempos destas matizes artísticas, poéticas, na escultura, no romance, no teatro, tudo isto inculcado diariamente, milimetricamente, atingindo-nos e petrificando-se de maneira silenciosa, é o ponto de partida para descobrirmos que não existe "verdade" empírica em nenhum destes artifícios. A política se parece muito com o amor. Sua gênese propõe o bem-estar comum, trazendo um ar de coletividade que parece indemostrável até hoje, verificada em todas as formas de governo . Socialismos, democracias, parlamentarismos, monarquias, anarquias, ditaduras, nada conseguiu sintetizar uma forma ideal de convívio, talvez por não existir algo executável, e tudo o que temos é manipular ao máximo e direcionar as mentes ao porto seguro da boa falsidade. A religião aparece como uma prova evidente do exagero incoerente do homem de crer, de ter fé em coisas que parecem mais uma manifestação onírica, distantes. Precisaríamos realmente muito mais do que isto para afirmarmos categoricamente, como se faz, a existência de alguém que nos regula, que domina nossos passos e nos conhece desde o ventre de nossa mãe. Desta forma esdrúxula de pensar sobre o impensável, nasceram os valores morais, éticos que nos regem, afetados diretamente por esta diletante esquizofrenia tida como inconstestável. A ciência segue este mesmo rumo, sempre duvidando, ao ponto de nem mesmo saber o que faz em muitos aspectos. A humanidade , guiada pela medicina na busca pela duração da vida e da saúde, algo que a natureza jamais permitiria (por ser justa e boa com os que virão) anda de um lado para o outro, escutando atenta as orientações difusas dos milhares de especialistas em milhares de formas de comer, beber, medicar-se, dormir, correr, andar... O que me parece é que sabemos que a mentira é a nossa verdade o tempo todo;isto já está convencionado e de maneira alguma pode ser revertido, em detrimento do que somos, do que conhecemos, daquilo que é passado de geração a geração e que garante este clima instável que temos. Discutir e modificar este plano seria caótico. Então, no mínimo, poderíamos ser francos e assumirmos que nossa vida é cercada por mitos, mentiras, tolices e falsidades que nos moldam e nos permitem viver.