1 de outubro de 2009

Mais um, Assaltante...

Mais uma noite, tô na correria. Não espero que me entendam... gente como eu é odiada, por Datenas e seus catecismos na Tv, induzindo ao erro e gerando disformidade. É massa assim. Quero mesmo é o medo, playboizada em pânico Gente como eu é realmente odiada. Outro dia, naquela busca que dei na Conselheiro Aguiar, (foi uma noite agradável - Três relógios, umas carteiras e cinco celulares de ponta), aconteceu o previsto: tipo Hobbin Hood. Aqueles filhos da puta tinham muito, e eu, nada. Conquistaram todas estas bugingangas imprestáveis com esforço dos trabalhos bacanas que têm, e eu, retaliando com a facilidade da tecnologia Taurus 380. Não ligavam em perder nada daquilo. Pra eles era tudo merda, objeto fútil, só pra ludibriar os olhos das mulheres que lhe serviriam de escravas numa cama qualquer, de um motel qualquer. pra mim, aquilo servia de passagem. Voltando do trampo, era escambo certo; maconha , vinho e livro, pra relaxar a tensão. Eles tentam esquecer os seus traumas pagando psicanalistas;esquecer o que viram, aquela sensação desconfortável de medo e angústia pelo crime estar tão próximo deles, apontando em suas caras uma morte que não estava prevista, fim da curtição, da balada, do casamento infeliz,da vida medíocre.
Tinha grana naquelas carteiras de couro, e de dia, melhor camuflagem pra gente como eu, fui comprar alguma coisa pra comer e alguns livros. Vi naquela banca de jornal "A Desobediência Civil" de Thoreau. Gostei muito. A abordagem crítica aos governos, a maneira como ele vê e discute o papel das opressões exercidas por estes e principalmente, a tese que quem contribui com seu dinheiro, pagando imposto a um Estado desajustado e corrupto torna-se parte dele é fantástica. No meu barraco a luz é foda, mas eu consegui organizar uma mesinha, que achei no lixo ainda em condições, e um banquinho, também achado. Os livros já estavam aumentando de número, e quando eu chego tenho um ritual que não abandono: tomo um banho com a água que juntei antes de sair, em um balde, faço um pouco de café e leio, até umas oito. Vou dormir um pouco, quando a geral vai trabalhar, e quando acordo dou um trato no parceiro "cospe fogo", e nisso, na corrente sanguínea já alterada, já estou com novas idéias, novos assaltos em mente. Quando chove, fico receoso em perder meu patrimônio ,livros que me acompanham, única coisa que tenho de valor. Decidi que não vou ficar com a Carla. A gente tava curtindo e tal, mas não dá não. O barraco é apertado, e além do mais ela não sabe quem foi Thoreau. Diz que não serve de nada saber destas coisas. "É por isso", disse a ela outro dia, de manhãzinha, uma garoa fina, depois de um beijo, "que o fedor do córrego nunca passa, que os mosquitos nunca vão embora, que as vielas eram imundas, que os moleques tinham grandes barrigas e vez ou outra tinha mãe chorando a perda do filho pra um verme qualquer". Ela não conhece Thoreau. Ela é bem gostosa, transa como uma louca, mas não vou ficar com ela...
A vida é mesmo assim. A noite chegou e tenho que sair; mantenho os meus pontos vitais, minha energia pra respirar, tudo graças ao crime. Nem sei mais se considero crime. Sou um desobediente, vou de encontro à Lei, não a respeito.. e ela, acaso sabe quem sou? Tive a oportunidade de abordar uma fiscal desta lei maldita. Uma juíza. Vinha talvez de alguma festinha bacana, do pessoal do fórum. Sinal fechado, distração tola que só quem não tem preocupação , fome ou falta de grana possui, e ela estava li, na minha mão... aquela porca. Já tinha cumprido 3 anos no Aníbal, processo que não era meu, mas assim foi, por causa de gente como ela.
A bolsa estava na minha, e eu vi que era juiza porque tinha um adesivo no parabrisa do carro, um importadão. Juíza de Direito. O que valia aquela merda agora, porra? Ela tava a minha mercê, cagando de medo; nenhum código penal pra se basear, nenhum meirinho pra socorrê-la; só um branquelo, cor improvável de assaltante, uma 380 e ela, se eu quisesse, morta. Não ia errar daquela distância. Deixei aquela vagabunda viver... sabia que eu poderia encontrar com ela em algum tribunal destes, ela togada, eu fudido. Mas a vida é mesmo assim, e eu aproveitei a minha chance.
Tô voltando pra casa, pistola nos "quarto", um livro novo. Rousseau. Novas idéias, novos assaltos... é... a vida é assim mesmo.

Um Estranho Chamado Albert...

Albert havia sido levado por uma ambulância perto das 02:00 da manhã. Não se sabia ao certo o que tinha. É claro que vinha há alguns dias apresentando características estranhas, mais do que o normal. Ele sempre foi bastante esquisito, desde sua infância. Hoje tinha 31 anos e estava assim, doente, irreconhecível. O conheci no colegial, na Edgar Allan Poe High School, no Kansas, de onde somos. Nunca foi um garoto tranquilo. Andava sempre pelos cantos, rejeitado pelas pessoas, levando consigo aquela prova de sua doença, esta que hoje se agravou: Kafka. Nunca o largou. Em todos os lugares, era visto com aquilo, e não reprovo as pessoas por não sentirem prazer em sua companhia; livros são tão estranhos! Além deste tal polonês, outros eram vistos com ele... na escola, era medíocre nas aulas, tirando 10 em tudo. Matemática, Geografia, História (gostava muito de História) , Filosofia, Literatura, manjava tudo, e em todas era igualmente imbecil. Todos nós, o restante da turma, íamos muito bem, quase sempre o zero era unanimidade, e os professores sempre acharam o Albert muito abaixo da média. Tinha umas conversas estranhas, perguntando sempre onde havia alguma bilbioteca... "isto e coisa de malucos, cara!" eu dizia, " não vale a pena você perder sua juventude com isto! Se você continuar assim, nunca vai ser ninguém, ser normal". Ele nunca ligou para o que eu disse. Queria mesmo era se fuder.
A Universidade foi traumática. Foi aprovado com láureas nos preparatórios, uma tremenda merda. Nunca vi uma pessoa ser tão insistente em ser idiota, a ponto de ler, ler, ler e ler sem parar. Ficávamos no mesmo quarto, e as garotas vinham de vez em quando para se divertir com os caras da nossa ala. Albert nem era cogitado para a festa. Aquele seu jeito débil era aviltante; não dava pra ficar quieto quando ele falava de livros e dos benefícios do conhecimento. Ha ha ha ha! Ele estava pirando e nem se dava conta... quem liga para isto? Ser uma pessoa medíocre, sim, deveria ser a meta de todo cara normal, íntegro. Questionar, usar o tal "senso crítico" que o Albert tanto invocava, perder tempo adquirindo coisas que os médicos todos já dizem serem doenças prejudiciais e crônicas, sem cura, que levam ao ostracismo, ao esquecimento social, à derrota na vida, putz! A gente não estava percebendo que o Albert estava se perdendo, caminhando para o abismo desta tal "inteligência" ( que palavrinha mais nojenta e absurda!) , e todos os caras que ele lia tinham ido pelo mesmo barco furado. Mas não sei por que, eu gostava dele assim mesmo, genial. Tinha pânico só de ouvir as palavras "normalidade", passividade", "mediocridade" , " pusilanimidade". Era um barato curtir da cara dele dessa forma. Parece que eu estava sentindo que ele iria surtar, não ia mais aguentar aquela vidinha besta de curioso, de observador, de gente doida mesmo, estas que lotam os sanatórios por aí - os intelectuais, os questionadores, os cú-de-ferro, os "nerds" - estes caras têm mesmo que estar à margem, distantes das pessoas que só querem viver de forma tola, frívola. Sim, frivolidade! (Estava querendo me lembrar desta palavra... ouvi o padre me dizer que ser frívolo é estar mais perto de Deus... não entendi muito bem mas achei que soava legal... Deus me livre entender!!! Isso é coisa para o Albert, por isso ele foi levado).
E agora esta merda toda acontecendo com ele. Sempre nos encontrávamos depois do trabalho; fazíamos isso sempre, desde que saímos da universidade (eu consegui um bom emprego como catador de papéis e recicláveis... anda a me render uma boa grana... já o Albert tornou-se PhD em astronomia e chefe do departamento de Astrofísica da Universidade... Pode isso? O pior emprego que alguém poderia querer... se chamado de incompetente, de retardado o tempo todo, e não ganhar dinheiro! Que figura estranha esse Albert!). De repente, o cara começou a falar coisas malucas, doidas , dizendo que ele estava certo, que aquela vida que tinha de conhecimento e reflexão sobre o que acontecia e as leituras dos clássicos e outros livros eram a "maneira ideal de mudança da realidade, dos costumes imbecis e frívolos que as pessoas tinham" além de nos dar conselhos indecentes como " leiam mais e mais, se instruam, vocês também podem lutar contra o sistema de coisas que nos afligem, que nos acuam" . (ainda bem que ali não estavam alguns dos nossos mais ilustres mestres, os políticos e bispos... ficariam escandalizados).Alguém que estava conosco pegou o telefone e ligou para o Instituto de Psquiatria e Estudos das Pessoas Inteligentes e Conscientes do Kansas, referência nacional em casos como o de Albert, que logo que soube do caso mandou uma ambulância, com enfermeiros preparados para este tipo de ocorrência, que o detiveram ainda a falar sobre " revolução intelectual , consciência de si e do outro, que senso crítico seja a nossa salvação!" estas coisas que nós, os homens de fé e de espírito medíocre nem gostamos de ouvir, de tão asqueroso e doente que parecem soar. Viemos todos ao hospital, e aquilo parece que despertou a curiosidade de toda a cidade. Várias eram as emissoras de TV que acompanham os últimos boletins médicos, e só eu pude entrar e acompanhá-lo. Nem família o maluco do Albert tinha mais... fora expulso por suas "idéias", seus "argumentos", e eu entendo seus pais... não é fácil ter alguém assim em casa. O médico esteve aqui à pouco e disse que o caso dele é gravíssimo, sem solução. Estava realmente com aquilo que todos estávamos temendo... Inteligência sub-humana, sagacidade, sensatez, senso-crítico aguçados, percepção espantosa da realidade, além de agudeza de raciocínio e forte inclinação para influenciar outras pessoas a desenvolverem estes sintomas. Chorei quando o doutor disse que ele jamais seria um imbecil, um tolo, um... frívolo... tapado e manipulavel... Estava condenado ao ostracismo, ao esquecimento e à solidão social que só estes distúrbios mentais podem proporcionar... Nunca mais o verei, e confesso que isso foi bom... não dava mais para correr tantos riscos... Pobre Albert...