1 de outubro de 2009

Um Estranho Chamado Albert...

Albert havia sido levado por uma ambulância perto das 02:00 da manhã. Não se sabia ao certo o que tinha. É claro que vinha há alguns dias apresentando características estranhas, mais do que o normal. Ele sempre foi bastante esquisito, desde sua infância. Hoje tinha 31 anos e estava assim, doente, irreconhecível. O conheci no colegial, na Edgar Allan Poe High School, no Kansas, de onde somos. Nunca foi um garoto tranquilo. Andava sempre pelos cantos, rejeitado pelas pessoas, levando consigo aquela prova de sua doença, esta que hoje se agravou: Kafka. Nunca o largou. Em todos os lugares, era visto com aquilo, e não reprovo as pessoas por não sentirem prazer em sua companhia; livros são tão estranhos! Além deste tal polonês, outros eram vistos com ele... na escola, era medíocre nas aulas, tirando 10 em tudo. Matemática, Geografia, História (gostava muito de História) , Filosofia, Literatura, manjava tudo, e em todas era igualmente imbecil. Todos nós, o restante da turma, íamos muito bem, quase sempre o zero era unanimidade, e os professores sempre acharam o Albert muito abaixo da média. Tinha umas conversas estranhas, perguntando sempre onde havia alguma bilbioteca... "isto e coisa de malucos, cara!" eu dizia, " não vale a pena você perder sua juventude com isto! Se você continuar assim, nunca vai ser ninguém, ser normal". Ele nunca ligou para o que eu disse. Queria mesmo era se fuder.
A Universidade foi traumática. Foi aprovado com láureas nos preparatórios, uma tremenda merda. Nunca vi uma pessoa ser tão insistente em ser idiota, a ponto de ler, ler, ler e ler sem parar. Ficávamos no mesmo quarto, e as garotas vinham de vez em quando para se divertir com os caras da nossa ala. Albert nem era cogitado para a festa. Aquele seu jeito débil era aviltante; não dava pra ficar quieto quando ele falava de livros e dos benefícios do conhecimento. Ha ha ha ha! Ele estava pirando e nem se dava conta... quem liga para isto? Ser uma pessoa medíocre, sim, deveria ser a meta de todo cara normal, íntegro. Questionar, usar o tal "senso crítico" que o Albert tanto invocava, perder tempo adquirindo coisas que os médicos todos já dizem serem doenças prejudiciais e crônicas, sem cura, que levam ao ostracismo, ao esquecimento social, à derrota na vida, putz! A gente não estava percebendo que o Albert estava se perdendo, caminhando para o abismo desta tal "inteligência" ( que palavrinha mais nojenta e absurda!) , e todos os caras que ele lia tinham ido pelo mesmo barco furado. Mas não sei por que, eu gostava dele assim mesmo, genial. Tinha pânico só de ouvir as palavras "normalidade", passividade", "mediocridade" , " pusilanimidade". Era um barato curtir da cara dele dessa forma. Parece que eu estava sentindo que ele iria surtar, não ia mais aguentar aquela vidinha besta de curioso, de observador, de gente doida mesmo, estas que lotam os sanatórios por aí - os intelectuais, os questionadores, os cú-de-ferro, os "nerds" - estes caras têm mesmo que estar à margem, distantes das pessoas que só querem viver de forma tola, frívola. Sim, frivolidade! (Estava querendo me lembrar desta palavra... ouvi o padre me dizer que ser frívolo é estar mais perto de Deus... não entendi muito bem mas achei que soava legal... Deus me livre entender!!! Isso é coisa para o Albert, por isso ele foi levado).
E agora esta merda toda acontecendo com ele. Sempre nos encontrávamos depois do trabalho; fazíamos isso sempre, desde que saímos da universidade (eu consegui um bom emprego como catador de papéis e recicláveis... anda a me render uma boa grana... já o Albert tornou-se PhD em astronomia e chefe do departamento de Astrofísica da Universidade... Pode isso? O pior emprego que alguém poderia querer... se chamado de incompetente, de retardado o tempo todo, e não ganhar dinheiro! Que figura estranha esse Albert!). De repente, o cara começou a falar coisas malucas, doidas , dizendo que ele estava certo, que aquela vida que tinha de conhecimento e reflexão sobre o que acontecia e as leituras dos clássicos e outros livros eram a "maneira ideal de mudança da realidade, dos costumes imbecis e frívolos que as pessoas tinham" além de nos dar conselhos indecentes como " leiam mais e mais, se instruam, vocês também podem lutar contra o sistema de coisas que nos afligem, que nos acuam" . (ainda bem que ali não estavam alguns dos nossos mais ilustres mestres, os políticos e bispos... ficariam escandalizados).Alguém que estava conosco pegou o telefone e ligou para o Instituto de Psquiatria e Estudos das Pessoas Inteligentes e Conscientes do Kansas, referência nacional em casos como o de Albert, que logo que soube do caso mandou uma ambulância, com enfermeiros preparados para este tipo de ocorrência, que o detiveram ainda a falar sobre " revolução intelectual , consciência de si e do outro, que senso crítico seja a nossa salvação!" estas coisas que nós, os homens de fé e de espírito medíocre nem gostamos de ouvir, de tão asqueroso e doente que parecem soar. Viemos todos ao hospital, e aquilo parece que despertou a curiosidade de toda a cidade. Várias eram as emissoras de TV que acompanham os últimos boletins médicos, e só eu pude entrar e acompanhá-lo. Nem família o maluco do Albert tinha mais... fora expulso por suas "idéias", seus "argumentos", e eu entendo seus pais... não é fácil ter alguém assim em casa. O médico esteve aqui à pouco e disse que o caso dele é gravíssimo, sem solução. Estava realmente com aquilo que todos estávamos temendo... Inteligência sub-humana, sagacidade, sensatez, senso-crítico aguçados, percepção espantosa da realidade, além de agudeza de raciocínio e forte inclinação para influenciar outras pessoas a desenvolverem estes sintomas. Chorei quando o doutor disse que ele jamais seria um imbecil, um tolo, um... frívolo... tapado e manipulavel... Estava condenado ao ostracismo, ao esquecimento e à solidão social que só estes distúrbios mentais podem proporcionar... Nunca mais o verei, e confesso que isso foi bom... não dava mais para correr tantos riscos... Pobre Albert...

0 Comentários: