17 de outubro de 2009

O Projeto Shiva - Justificativas sobre a guerra

"Apenas os mortos verão o fim da guerra"

Platão não poderia estar mais enganado. Esta instituição humana, este cânone, é a mais útil forma de progresso já vista. Daqui posso ver o resultado de dois anos de pesquisa, brilhando, quente. Dois anos sem aniversário de casamento, - a Debbie ficou possessa nas duas ocasiões - ,dois anos sem natal, ano-novo, churrascos de domingo ou reuniões na igreja. Dois anos dedicados a mais alta tecnologia de destruição e renovação. Chamei-a "Projeto Shiva." Renovação, porque penso que a guerra não traz apenas a morte, a devastação, o medo; também traz esperança, novas oportunidades, novas soluções, modo de vida mais ativos. O avanço de uns depende da derrocada de outros, e eu sei que estou do lado dos fortes.
Tenho uma família feliz, apesar da minha ausência. Trago comigo sempre a foto do nosso último encontro juntos, num acampamento que fizemos nas férias de verão. A Debbie é tão compreensiva. Uma companheira que sempre me ajudou a suportar o excesso de trabalho, além de cuidar muito bem de nossos filhos. Os dois vão bem na escola; Robert, o mais velho, pensa em seguir meus passos. Física. Foi o que eu sempre quis fazer na vida, desde criança, e fico feliz em saber que um filho se interessa por estes assuntos. Ele sempre pergunta sobre os projetos que desenvolvo; fica excitado quando falo que faço bombas; é aficcionado pelo Projeto Manhattan... ele é o meu orgulho! Tenho também o George. É um ano mais novo que o Robert, mas não se interessa muito por fusões nucleares ou coisas do tipo; gosta de ficção, arte. Sua mãe é mais apegada a ele.
Fiquei satisfeito quando fui convocado pelo presidente para integrar a força tarefa que iria participar do projeto da bomba. Não gosto de usar este nome, bomba; é como se fosse apenas algo maléfico, sombrio, algo negativo que não traria nada de bom para nós. Eu encaro como uma iniciativa de renovação da humanidade, de seus valores, de sua estrutura. Uma guerra significa justamente isso, um novo tempo, onde o homem coloca em prática aquilo que em tempos de paz adquire , nas academias, nas escolas, nos livros. E tudo o que vem atrelado ao desenvolvimento de novas esperanças bélicas? A indústria se movimenta em ritmo célere, aperfeiçoando novas abordagens de consumo, suas técnicas de produção e , consequentemente, trazendo movimentação de capital, geração de renda e emprego,dando oportunidades a quem, em tempos de paz, não conseguiria sobreviver dignamente.Problemas sociais como o desemprego, a violência contra cidadãos, a fome, todos são sanados, com toda esta geração de produção e postos de trabalho nas fábricas de alimentos, veículos pesados, e armas. Tudo se desnvolve na guerra. Não consigo mesmo ver desvantagem em um conflito armado. As melhores mentes se revezam em pensar a sociedade, os valores, o entendimento sobre nação toma um novo sentido; as pessoas gostam de estar irmanadas em alguma coisa, não apenas em futebol ou ano-novo, mas elas se envolvem quando o propósito é grandioso, e a guerra traz este bem-estar cívico, esta vontade de dar a vida pela terra que se nasceu, que se valoriza agora com mais ênfase. Novas drogas e novos procedimentos médicos são desenvolvidos, tudo para manter por um período maior os soldados em batalha, e com isso se ter menos baixas e maior êxito nas campanhas. Estes benefícios se revertem para o cidadão comum, que se utiliza das novas técnicas para sobreviver mais, trabalhar mais e assim ser feliz por mais tempo. Não há felicidade sem o trabalho. "Arbeit Macht Frei". A guerra não deixa de ser um trabalho, como qualquer outro, e venho me esforçando para que o meu trabalho seja bom. Chefio a comissão de beneficiamento nuclear para armamentos pesados, e confio que daqui sairá o grande milagre da ciência, fruto da dedicação de todos os cientistas envolvidos.
Debbie leu os últimos jornais e ficou apreensiva. Eu já estava ficando incomodado com aquelas perguntas sobre o que os periódicos estavam circulando; todos falavam de uma guerra injusta, contra um país indefeso, pontos de vista diferentes motivando a barbárie, o desrespeito às liberdades culturais, toda aquela asneira jornalística. Ela não conseguia entender que o futuro dependia da guerra para surgir, que o homem não pode se acomodar numa paz duradoura, onde nada acontece e as mentes se atrofiam. Aquelas noções de humanidade eram ridículas! Subjulgar um povo em melhoramento de outro não se constitui numa agressão humanitária; penso que só se comete agressão quando se incomodam nossos páreas, nossos irmãos nacionais. Um outro povo, uma outra visão de mundo, este sim pode ser usado como instrumentos empíricos de nossos esforços. Somos sempre taxados de imperialistas e demônios, mas são nossa tecnologia, nosso modo de ser, vestir, andar, ouvir música, nossa língua e até nosso deus, desenvolvidos nas guerras, que são usados por todos eles. Na verdade nossa intenção é esta: uma universalidade, onde todos possam ser como nós. Aí sim, creio que a guerra não será mais necessária. Ela ficou mais tranquila quando disse isso.
Enfim chegou o dia, aquele em que veríamos nossa disciplina, nossa capacidade criativa, nossa alma empreendedora em ação, em uma guerra de verdade, num país averso qualquer. Sempre havia estes lugares que nos desafiavam. Tudo estava sob controle, e nossas fileiras avançavam com grande facilidade e êxito. Os poços de Material Essencial estavam bem a nossa frente, segundo o general que comandou as operações. Um homem valoroso, que em uma semana fez um cerco memorável; certamente seu nome estará inscrito nos livros de história que o Robert irá ler no futuro. Fomos chamados à sede do governo para acompanharmos o lançamento da bomba, tudo via satélite. Isso sim é que é uma nação civilizada! Não precisamos estar lá, vendo in loco tudo se desintegrar, estar presente ao sofrimento e a dor que possivelmente aqueles seres sentiriam. Pensamos nisto, e calculamos a melhor forma de trazer uma morte tranquila e com o mínimo de exposição possível; somos um povo bem humano, sabe? E enfim ela foi lançada, na capital do país agressor. Ninguém sabia qual a agressão, mas isso não importa agora. Em poucos segundos, quando nossas tropas haviam seguido os procedimentos de segurança que havíamos criado e estavam em local apropriado, tudo se foi. Aquele brilho era fascinante. Pensei naquilo tudo. Aquele formato... um grande cogumelo encandescente, quente, destruidor para eles, renovador para nós... não consegui conter as lágrimas; tenho certeza de que o Robert está vibrando agora... o George deve estar dormindo; não importa; chorei quando ela explodiu. Shiva. Aplausos e congratulações pelo trabalho feito. Nossa, é estimulante viver neste país! Mal posso esperar a próxima guerra acontecer. Estou pronto!