29 de agosto de 2009

Canções do Agora

Literal,
Seco,
Abrangente e perspicaz...
Sou isso desde a invenção do tempo,
E quase sempre .

Abominável para com as verdades,
Ridículo para os normais,
Herege ,iconoclasta,
Sarcástico e infame,
Tornei-me indelével,

Quem não tem mais dor,
Quem não vê anjinhos,
Quem não acende velas (elas são perigosas)
Tornei-me intocável.

Não gostas? Foda-se!
Queres mais? Apressa-te!
Sou poeta das ruas imundas,
Maldito, visceral...

Não desejo a poesia
Tão límpida e cheia de engodo
Quero a tragédia nua e fedorenta
Das vielas amargosas, sofríveis

O fedor dos incompreendidos,
Este é meu olor, minha marca.

O Teatro, o Ator e a Permissividade

Ir ao teatro constitui um ato de busca. Um espaço único, concebido e desenvolvido para acolher espectadores anciosos em ver suas mentiras encenadas, suas tragédias e deslizes representados. O fingimento que nos circunda, creio, é o principal agente causador desta prática que hoje tornou-se mais diversão do que reflexão. Não falamos a verdade. Precisamos da farsa, do argumento mentiroso e arguto; a verdade é tão absurda e cruel que preferimos muito mais estas formas de convívio, sendo regulados por padrões igualmente equívocados, sínteses de uma "segurança" que só a mentira dá. Institucionalizada como padrão estético , o irreal, o improvável e o mítico são nossas maiores referências. O exagero é a marca do belo, do desejado, e tudo aquilo que pareça ser o mais próximo do real, leia-se, daquilo que é feio, triste, patético e sincero torna-se o pior de todos os pecados , sendo evitado com nojo e vitalidade. O teatro vem a ser um local de contemplação daquilo que é o maior segredo, e mesmo assim a coisa mais notória, da humanidade: a mentira como forma de verdade única. O ator traz , entranhado em si, o engano geral, o erro de viver sempre de aparências, de esconder sentimentos; aquilo que desejamos falar a quem se passa, agir com quem se vive. Usando de total liberdade para assumir estas facetas no palco, o personagem, sob as luzes reveladoras da ribalta, expõe diante dos olhos fixos de uma platéia obscura, protegida pelo negrume da sala sem luz ( esta forma de colocar o público nesta posição incógnita é um dos pontos mais fantásticos desta cumplicidade) aquilo que ele é, sem máscaras ou rodeios. Cria-se aí um ponto chave. Eu - o público - permito incondicionalmente através do ingresso que pago a manifestação daquilo que não desejo ser, ver, sentir nem vivenciar, através do ator. Tudo o que diariamente coloco fora, no lixo do insconsciente, e que me permite viver sem maiores sensações de dor é reproduzido de maneira literal pelo personagem, articulado, respirado, sentido pelo sacerdote das farsas repudiadas, porém constantes. Esta permissividade que logo sujestiona passividade, porque não podemos criticar ou mesmo interromper uma cena em seu pleno desenrolar, dói, sangra velhas feridas, disponibiliza antigas neuroses e frustrações, mas transmite beleza, suavidade ao mesmo tempo. Aí entra a Arte. Somos arrebatados por ímpetos selvagens de nossos próprios desconsertos, e mesmo assim choramos, pagamos para assistir,aplaudimos entusiasticamente e voltamos para novos espetáculos. Esta manifestação tão rica nos aprisiona. Queremos saber quem somos, e o Teatro é, sem dúvida, a porta mais elegante, lúcida e permissiva, onde podemos espiar nossas dores , com a Arte necessária para suportarmos sem sucumbir.