15 de maio de 2010

Uma Ausência...

Uma mixórdia havia se instaurado no mundo. Repentinamente as pessoas tornaram-se estranhas, desconfiadas, olhando para os lados com uma aflição maior do que o normal. A TV, o rádio, os meios de comunicação em todos os países estavam, a todo o momento, emitindo mensagens as mais desencontradas, procurando explicações para o fato. Não se ousava mais olhar fixamente para ninguém, os cumprimentos estavam resumidos a rápidos gestos, muitas vezes bruscos. Parece que a típica cordialidade e educação humanas haviam escapado. Quando se tentava esboçar algo como "bom dia" ou "tudo bem com você?", percebia-se logo um ar de azedume terrível. Todos haviam acordado daquela forma naquele dia.

Alguns ambientes, que freqüentemente eram bastante movimentados, ali já estavam vazios: igrejas, bares, centros comunitários, universidades, prédios legislativos, congressos nacionais, bancos de praça.

Não se via mais o amor nas ruas, os abraços, beijos efusivos, olhares apaixonados e corações acelerados. As mãos já não se uniam a outras outrora tão íntimas; o que se podia ver era o distanciamento, cada casal dividido em indivíduos , e havia tanta gente nesta condição que houve até a preocupação da Igreja de que a raça humana pudesse ser extinta. Os pedidos de divórcio multiplicaram neste período, trazendo transtorno ás varas de família; os orfanatos superlotados com crianças deixadas pelos pais em cestos, sacos de lixo, caixas de papelão; agora não mais na surdina da noite, escondidos, mas sim à luz do dia, como se quisessem evidenciar o desprezo que tinham por aqueles pobres diabos. Aliás, as crianças foram as únicas que continuaram as mesmas. Suicídios também eram vistos com regularidade impressionante; muitos não se importavam em morrer, pareciam bem desiludidos.

Especialistas definiram posições as mais esdrúxulas para o fato de que as pessoas, de uma hora para outra, terem se tornado mais apáticas, tensas, deprimidas, fracassadas. Até mesmo o sistema econômico estava em bancarrota, com o comercio internacional indo de mal a pior; fábricas fechando as portas, grifes de luxo falidas, propagandas trazendo a felicidade, o amor, o dinheiro, como algo fácil e acessível, todas no lixo das empresas de marketing.

As grandes nações, reunidas em cúpula, estavam entregues não à reflexão do que poderia ter acontecido, mas às velhas pendências históricas e lavagem de roupa suja, e as antigas chamas dos piores conflitos, guardadas por precaução, pareciam reacesas.

Os tabus sexuais, sociais, ideológicos, religiosos, estavam mais vibrantes do que nunca, e o sofrimento vivido pelas minorias, que nunca deixou de ser visto, agora era aceito sem nenhum pudor: estava nítido no rosto de cada ser oprimido.

Mas aí alguém, num esforço mínimo de auto-crítica e de atenção a si, percebeu o que havia de errado com a humanidade, e todos acabaram concordando sem nenhum receio e com um certo ar de vergonha: soube-se que ,há alguns dias , a MENTIRA havia dado um tempo da vida dos homens, deixando-os à sorte.


3 Comentários:

Unknown disse...

muito bom! o que rege nossas vidas são essas mentiras... essas "regras de etiqueta", "venda felicidade" etc. reflexão muito interessante sobre nossa existência... continue escrevedo... um abraço

Thalles

Milena M. disse...

Pois é... Um texto bastante profundo. Odeio mentiras... todas.
um beijo.

Anônimo disse...

Seria então a mentira um mal necessário à raça humana ,e que mantém funcionando todas as suas instituições sociais ? Penso que sim ! Sem ela voltaríamos ao nosso estado mais primitivo e selvagem ...o verdadeiro , portanto . Trata-se de um tema bastante óbvio para mim , e que foi muito bem redigido .