6 de janeiro de 2010

Tratado sobre a Insolência - Parte I

É uma força que me move, alavanca-me quando penso em ser apenas um qualquer. Um corpo saudável e jovem, certamente, auxilia nesta competência, mas mesmo assim sou receptáculo dela. Eis a insolência.
Escolhi uma vida heterodoxa desde minha chegada a este mundo. Minha mãe era bastante devota, e meu pai um austero indivíduo que não admitia falhas familiares. Já tinham um filho, imprestável irmão que hoje nada é, e o senhor daquela casa fétida não queria outra criança a interromper-lhe as meditações em Kant que ele tanto apreciava. Este velho permeou sua vida, o induziu a ser medíocre, pusilânime, o mais imbecil dos homens de bem... hahahaha... ele não queria mais uma criança. No sexto mês de gravidez minha mãe o informou daquele fardo que estava por vir; o grande pai, obviamente, a acusou de ser irresponsável e idiota, por ter aberto as pernas para seus impulsos sexuais animalescos num momento de crise financeira a qual estava atravessando. Um abrir de pernas, eis o que sou! Deste movimento, do qual participam tanto humildes camponeses, funcionários públicos, prostitutas, bichas, padres, pastores, papas, deuses... desta passividade que é ao mesmo tempo o principal movimento da criação, nasci, numa noite de chuva num inverno prussiano qualquer. Estas pernas abriram-se novamente para regurgitar este corpo marcado pela má formação, impedido de ser rotulado como normal, algo válido, digno de apreciação pelos vizinhos, pelos perentes; meu corpo é disforme, realmente aviltante, até para mim, acostumado a inconveniências. Este foi meu primeiro desafio, e cresci com este fardo inicial.
A região em que vivíamos era torpe e cheia de pobreza e miséria. Éramos os mais saudáveis economicamente, e isso atraía a atenção dos corpos em farrapos, destruídos pela avareza dos príncipes e padres locais, que iam à nossa residência frequentemente. Minha mãe, em nome de deus, era solícita e juntava o que sobrava de nossa mesa e abastecia a fé daqueles que achavam que o senhor era provisão aos desamparados. Da pequena janela de meu quarto, onde gostava de passar os dias longe dos olhos de meu pai, sempre a observar minhas truculências físicas, eu via estes vultos, e os achava deploráveis; sempre submissos, aos céus e às beneces terrenas. Deveriam existir, acho, porque sem eles minha mãe, e tantas outras carolas, não poderiam exercer a caridade, a fraternidade tão pregada e tão valorizada; sem eles os vigários de cristo seriam apenas homens sem muito sentido; os poetas seriam apenas escrivães de um sentimento tolo; o amor serviria apenas para justificar os erros que cometemos com o outro; seríamos piores sem os menores.
Exigi de minha mãe que o meu quarto fosse no último andar, num total de três, e que lá fosse feita uma pequena biblioteca, um escrivaninha e o silêncio fosse total. Odeio barulho. As crianças têm comigo uma dívida neste aspecto: elas têm em seus ruídos estridentes um ar asqueroso, vil. Saio com uma certa frequência a alguns bares hoje, e lá existem crianças, não chego perto delas. Na época de minha narrativa, eu as repudiava ainda mais, tanto pelo fato de seus gritos guturais insanos, a sair pela casa em desvairada idiotice, quanto ao fato de não serem comedidas; dizem o que se passa pelo cérebro, sem filtros ou qualquer distinção. Muitas vezes estava em minha solidão disforme e eles vinham, os vizinhos ou outros garotos e garotas amigos do meu irmão, e todos ficavam a me olhar de maneira repugnante, como se ali estivessem diante de um inseto esmagado, uma barata ou um rato. Eu sempre percebi as expressões dos rostos, os coxixos e os risos baixos quando estes se deparavam com minha estrutura raquítica e horrorosa. Os mais velhos tinham o mesmo hábito, a mesma forma de analisar o estranho, o pavoroso, de maneira a quase vomitar a meus pés. Por isso sempre me isolei de todos, por achar que minha aparência era detestável e insignificante. Meu pai tinha vergonha de mim. Meu nome era impronunciável naquela casa.
Finalmente, a liberdade. Não aguentando mais a situação de possuir um inválido em casa, meu querido paizinho pediu ao seu irmão, que morava em Paris, que me levasse quando este voltasse para casa. Paris! Meus livros estavam certos, não existe lugar mais interessante! Este meu tio era uma exceção benéfica em minha família. Homossexual, mas que não tinha a coragem necessária para assumir, nem ao Estado nem á família, mas que sempre fez questão de afirmar a mim tal condição, quando vinha ao meu quarto para dormir, era um daqueles espíritos que não se emporcalhavam com o luteranismo nem mesmo com a alma alemã casta e velhaca dos meus pais. Culto, ateu, amante incondicional da vergonha e do despudoramento, lia para mim os trechos mais apaixonados dos autores que tínhamos em comum, todos perversos, miseráveis com o homem, imorais . Certa noite ele veio à minha cama, deitou-se ao meu lado e disse que nunca havia chupado um sobrinho, ainda mais naquela minha condição trôpega. Perguntou-me se já havia tocado em meu pênis com outra intenção que não fosse mijar; eu disse que havia feito algumas experiências, mas que os meus tremores e sudoreses não permitiam êxito em gozar. Aquilo parece que o estimulou, e sem cerimônia agarrou meu pau, já um tanto ereto com tudo aquilo, e enfiou guela abaixo, num movimento que eu nunca havia sentido antes. Preciso deter-me nesta abordagem, não perderia falar de um dos únicos momentos de prazer que tive na vida.
Eduard, meu tio, estava ali, com meu membro em sua boca, chupando-o com avidez, e cada vez mais sentia que o meu pênis ficava ainda mais duro, receptivo ás carícias, aos trejeitos que ele me proporcionava. a cama rangia bastante, e eu por um momento tive de me desviar daquele sentimento agradabilíssimo para me preocupar com os outros lá embaixo. Mas Eduard tinha lá seus recursos, e ficou de joelhos, como um serviçal, implorando pelo meu pau, e eu fiquei sentado à cama, dando de bom grado o que tanto queria. Pela primeira vez vi a insolência; pela primeira vez vi a quebra de todo paradigma hierárquico-familiar, o vi desaparecer em nome da luxúria. Seria normal um pai seduzir e comer sua adorável filha, com mamilos nascendo, ou uma mãe entupir sua vagina com o pênis vigoroso de seu filho adolescente e potente, mas um tio se sujeitar aos caprichos de um sobrinho aleijado apenas para abocanhar seu membro? Sim, a insolência se apresentava ali, flertando comigo e esperando resposta, esta que eu não demorei em nenhum momento a conceder. Venha, santa insolência, sussurava ao ouvido daquele homem devorador enquanto se satisfazia, e de repente o gozo, a gênese, veio à sua boca furiosa, e ele tomou toda aquela síntese de prazer como um elixir, uma ambrosia. O prazer é o único momento feliz de nossas vidas, não é verdade? Tudo fica em segundo plano: deus, eu, você, a paz, a guerra, tudo fica para depois quando se está gozando, e aquela gozada foi primorosa, porque nunca tinha gozado antes. Depois disto, meu tio sentou-se, ainda limpando a boca com os pingos que restaram, resvalou-se na cadeira, pegou Homero e leu, em silêncio. Fiquei um tanto assombrado, mas percebi logo ali que ser insolente era ser cínico, tratante, fazer coisas que a humanidade acha absurda e intolerável como se estivesse recebendo a hóstia consagrada, ato normal e santo. Deitei e dormi, como todo rapaz pleno, saciado.

1 Comentários:

Milena M. disse...

U-A-U

interessantíssimo embora eu discorde de uma coisa apenas, não acho que "seria normal um pai seduzir e comer sua adorável filha" ou mesmo o outro exemplo e o do tio ser abomivável.. acredito que os 3 casos acontecem "normalmente" em nossa sociedade, desde o início dos tempos... =)
Beijos!!
keep writing!