12 de dezembro de 2009

O dia que não aconteceu

Nova York está tão quente... faz muito tempo que não vejo as pessoas tão à vontade com suas roupas, ignorando o inverno e o frio. Dezembro é sempre um mês de grandes expectativas; comprei um novo carrinho de pipocas. Os anos 70 foram difíceis, mas estamos aqui, e daqui a pouco é 1981. Nossa! Eu ainda estou jovem... 40 anos não é lá muita coisa, mas já vivi bastante, intensamente.
Os anos 60 foram os melhores! Ah, cara, você deveria ter visto aquilo! 1964... um ano que vai ficar marcado pra mim. Todo mundo estava ansioso para ver os rapazes londrinos que estavam agitando a Europa com seus cabelos despenteados e sua música americana renovada. Acho que foi isso que acabou atraindo a atenção da juventude; Elvis era nosso grande ícone, um verdadeiro senhor das massas, que com seu rebolado e canções para garotas, arrebatou todo um sonho de liberdade e rebeldia. Eu mesmo era bstante jovem quando ele apareceu, e não pude resistir a todo aquele apelo. Elvis sempre foi minha referência, minha música se resumia a ele, e quando saía para trabalhar com minhas pipocas, os cinemas estavam sempre lotados, todos assistindo aquele cara com cabelos engomados cantando suas músicas e mostrando como éramos, nós, os americanos do pós-guerra. Estávamos mais vivos do que nunca, inventando tendências, renovando os estoques de valores e abordagens juvenis para o mundo. Mas Elvis estava distante de nós agora, e algo lá pelos lados do Canal da Mancha anunciava o improvável: A América sendo reinventada e novamente colonizada pelos ingleses.
Já tínhamos aqui ouvido aquela sonoridade perfeita, o ritmo, conhecido, mas com vitalidade incomparável, desde 1963. Singles seus foram lançados por aqui e simplesmente estava atento a tudo, com minhas pipocas doces e salgadas. As reações nas ruas eram espetaculares, e todos aguardavam o momento em que aqueles caras viriam para cá. Em fevereiro de 1964, eu fui para o aeroporto JFK, disposto a vender e ver aquilo de perto. Eles estavam ali, meio tímidos,acanhados mesmo diante de tanta gente gritando e se contorcendo; o que será que passou na mente do John quando viu tudo aquilo? Nova Yok estava fria como o diabo.
O Plaza Hotel estava lotado de fãs em sua entrada, e foi difícil para os rapazes entrarem. Como já tinha vendido tudo o que tinha, aproveitei para espiar um pouco. O que era aquilo tudo? Milhares de pessoas amontoadas para ver quatro rapazes, ainda tímidos, entrarem no hotel e desaparecerem em meio a tantos seguranças e policiais. Nem o Elvis tinha feito aquilo antes! era tascinante, mas ao mesmo tempo, amedrontador. E eu continuava pensando: o que eles achavam daquilo tudo? estavam mesmo à vontade aqui? Pareciam mesmo pequenos diante do furacão. Na TV eles pareciam mais à vontade. A primeira aparição que fizeram foi sem dúvida emocionante. Paul e John, à frente, george um pouco mais recluso e Ringo logo atrás, numa harmonia impecável. Diziam que eles não ensaiavam para as apresentações, tudo era espontâneo, claro. Em casa, pude conferir seus rostos alegres e , mesmo assim, um pouco tensos, dos rapazes, mas no fim foi incrível. Os discos já vendiam como nunca se viu antes, e nos momentos de folga, lá estava eu com a vitrola ligada, o "A Hard Days Night" ecoando pela sala.
Chamaram toda aquela euforia de Beatlemania. Parecia mesmo algo assim; o mundo inteiro falava sem parar nos Beatles, com se eles fossem muito mais do que meros músicos do norte da Inglaterra; pareciam mesmo salvadores, messias, gurus enviados para para redimir o homem da mesmice, do tédio , da letargia que acabou acontecendo com o "American Way Life". Acho que aquela época deveria ser assim, um momento de transição mágica, entre a dor e a raiva que moveram as bombas de Hiroshima e Nagasaki e a força e a virtude dos jovens lutando por liberdades cada vz mais inovadoras, como o sexo livre e o pensamento aberto ao diálogo e ás mudanças. A América tinha dado o primeiro passo, e agora a europa já caminhava e mostrava aos yankees como a coisa funcionava. É claro que as guerras não cessaram por muito tempo, mas aquele começo era necessário.
Eu estava interessado naquela revolução, e fui contaminado pela euforia de estar ali, presente naquele momento. A rapidez com que as coisas mudavam, as gírias, as roupas, os pensamentos, as intenções, os rítmos; neste instante estávamos ouvidno "Shes Loves You", e ali, 1967, havia comprado um disco amarelo, com quatro figuras estranhas, remontando a animais, e um nome bem estranho - Magical Mistery Tour - na capa. A vibração era outra, os sentimentos também, e quando os meus ouvidos captaram a introdução melotrônica de "Strawberry Fields Forever", tudo fez sentido pra mim. O LSD era bastante consumido, eu mesmo já havia experimentado uma vez, em uma daquelas festas abertas para todos, promovidas por adeptos da teoria libertadora das drogas por Timothy Leary. Seu livro, "A Experiência Psicodélica" foi lido por John num momento em que estava procurando uma saída para as reverberações de sua fama repentina, o que ocasionou sua saída dos palcos com os Beatles e sua reclusão numa vida infeliz. Tudo isso estava à disposição em biografias e livros que eu lia avidamente. Minhas pipocas ainda eram vendidas da mesma forma, doces ou com manteiga, mas as pessoas não eram aquelas que vinham com olhares lívidos, ingênuos. Todo mundo estava "ligado", em sintonia com algo que não tinha ainda sido revelada, mas que certamente viria pelas mãos de algum salvador, ou salvadores. Lennon, ao escrever Strawberry Fields Forever, sabia o que estávamos procurando; ele mesmo estava procurando o que queríamos encontrar, pois ele mesmo estava aflito, parecia confuso, desnorteado, mesmo sendo um beatle, famoso e rico. "É fácil viver com os olhos fechados" , e tudo se encaixou, como uma luva em mão irmã.

Continua...

1 Comentários:

Milena M. disse...

reverberações !!!

Sim sim sim ... devo ser suspeita para falar que eles foram muito mais do que meros músicos do norte da Inglaterra??
Sou suspeita? Adoro Bealtes! Adoro o texto!
Beijos Júlio!